O surrado refrão que menos
é mais se sustenta, não por acaso, em inúmeras situações de produção e ação
que se vivenciam no dia-a-dia. Na música, o silêncio está presente e tem papel
fundamental, tanto quanto as notas tocadas. O mesmo pode ser observado numa
corrida de carros, onde o vencedor não é o piloto que apenas acelera mais, mas
sim, aquele que domina também o momento certo de usar o freio e/ou de parar nos
boxes.
Hoje a informação possui alcance, velocidade e variedade,
o que acarreta muito a ser lido, visto e ouvido. Esta sangria desatada por
consumir toda a informação disponível na tela acaba por deixar as pessoas sem
tempo, logo, não há pausa para digerir o que foi ingerido, não há freio nem
silêncio.
As comparações entre épocas geralmente repousam num
discurso saudosista reacionário, tornando-se extremamente enfadonhas, mas
quando a análise de diferentes épocas permite a visualização de temas, que
apesar do tempo se mostram atuais e relevantes, tal exercício se torna
enriquecedor.
Schopenhauer (1788-1860) criticava com propriedade os
eruditos que consumiam livros e mais livros convulsivamente, sem a mínima pausa
para a digestão das idéias lidas, e principalmente, não tomavam tempo para
pensarem por si sós. Uma gama imensa de saberes desorganizados não se equivale
a uma quantia menor, porém, bem construída por meio do pensamento individual, este,
bem mais valioso (SCHOPENHAUER, 2012).
Segundo ainda o autor, o aprendizado e leitura de forma
arbitrária, não levam a um enriquecimento verdadeiro do saber, isto só é
possível através do pensamento próprio, “Pois é apenas por meio da combinação
ampla do que se sabe, por meio da comparação de cada verdade com todas as
outras, que uma pessoa se apropria de seu próprio saber e o domina”
(SCHOPENHAUER, 2012, pag. 39).
O tom contemporâneo da crítica é fantástico. Nossos dias
atuais são tomados não mais por eruditos, mas por pessoas infartadas de
informação, baseadas num ritual de compartilhamento mecânico, o qual não
fomenta de forma alguma a criação, a originalidade e o pensar próprio. Por isto
não causa espanto a não diferenciação, não só de produtos e serviços (a
indústria automobilística com seus estilos convergentes num mesmo design) onde
como opção nos sobra a cor da embalagem, mas também, e aqui reside preocupação,
na produção artístico-cultural e acadêmica.
No âmbito acadêmico tem-se o reflexo desta falta de
disponibilidade para pensar, onde o aprendizado, desde o início dos estudos,
cai na vala comum da arbitrariedade, esta condenada pelo autor, visto que de
forma imposta a leitura não funciona para o leitor, este deve encontrar
motivação para o pensamento próprio.
No entanto, podemos nos dedicar de modo
arbitrário à leitura e ao aprendizado; ao pensamento, por outro lado, não é
possível se dedicar arbitrariamente. Ele precisa ser atiçado, como é o fogo por
uma corrente de ar, precisa ser ocupado por algum interesse nos assuntos para
os quais se volta; mas esse interesse pode ser puramente objetivo ou puramente
subjetivo. Este último se refere às coisas que nos concernem pessoalmente,
enquanto o interesse objetivo só existe nas cabeças que pensam por natureza,
nas mentes para as quais o pensamento é algo tão natural quanto à respiração.
Mas mentes assim são muito raras, por isso não se encontram muitas delas em
meio aos eruditos (SCHOPENHAUER, 2012, pag. 39-40).
É preciso retomar a autoestima, pois cada vez mais as
pessoas parecem se tornar sombras de outro alguém. Na música a quantidade de
bandas que se dedicam única e exclusivamente a fazer cover se multiplica constantemente e encontram campo fértil num
público que também carece de disposição para ouvir algo novo, ambos, banda e
público, tais quais os eruditos que se dedicavam a leitura compulsiva, padecem
de mal similar.
Uma banda que apenas busca a repetição (de forma mais
idêntica possível) de uma música, e usa seu tempo de ensaio integralmente para
isto, acaba sufocando qualquer ímpeto de criação, de originalidade, e de
pensamento próprio.
Voltando a produção de uma escrita autoral de qualidade,
segundo Schopenhauer (2012), a mesma só pode ser alcançada pelo pensamento
próprio, e não pela leitura excessiva, que empobrece e torna os indivíduos mais
simplórios, através da pratica de ter em cada minuto ocioso um livro em mãos.
Como reflexo deste sufocamento, tem-se uma escrita precária, “Sempre lendo para
nunca serem lidos” (POPE, 194, apud SCHOPENHAUER, 2012, pag.40).
É
preciso o aprofundamento do pensamento próprio, não deixando as fontes já
disponíveis e de grande relevância de lado, mesmo porque na atualidade ocorre a
falta de leitura, mas tais fontes devem ser administradas em doses pontuais, o
ar deve circular no ambiente da mente, menos
é mais. O silêncio das palavras escritas se faz necessário para que se
possa ouvir e nutrir o próprio pensamento.
Referência bibliográfica:
SHOPENHAUER, Arthur. A arte de escrever. Porto Alegre:
LP&M, 2012.