A cena é contemporânea e
corriqueira, um homem engravatado bem barbeado, em seu belo automóvel. Enquanto
o semáforo está vermelho, o mesmo faz ligações em seu celular de última
geração, o tempo agora relativo, não pode ser perdido, e segue mais que nunca,
sendo sinônimo de dinheiro.
Este homem contemporâneo tão
diferente daquele homem outrora inserido numa sociedade tradicional e que
passou por diversas mudanças até chegar à atual crise de paradigmas. O espírito
do capitalismo mudou, e consigo, arrastou na sua rede o que estava a sua volta,
logo, homens e suas sociedades mudaram. O efeito dominó então chegou às
organizações, formada por indivíduos mutantes e reféns de algo maior.
Max Weber, sociólogo alemão
de colaboração impar em diversas outras áreas, trouxe um foco diferente daquele
proposto por Marx, este dizia que o espírito do capitalismo era decorrente do
animo econômico, e aquele propôs um animo diferente, partindo da âmbito
espiritual ,focado na religião, na crença, especificamente na doutrina
Protestante. Esta doutrina que surgiu em contraposição a Católica, via a
salvação como algo já escrito, ou a pessoa nascia com esta predestinação ou
não. Pregava ainda o trabalho remunerado não para fins de consumo de coisas
terrenas, mas fazia ode ao acumulo de riquezas, e que este acumulo, poderia ser
um indicio de ser digno de salvação, o que segundo Weber, foi o nascimento do
“espírito do capitalismo”, no caso se sucederam mais três espíritos a este
primordial.
O capitalismo num primeiro momento
teria se apropriado de uma doutrina já existente para ganhar força. Como a
mudança é algo permanente, e o capitalismo animado por empresas em busca de
lucros permanentes, o sistema capitalista vai apresentar um segundo espírito,
agora animado pelo Taylorismo.
A busca por eficiência nas
organizações tinha seu ponto de partida, a tarefa estudada minuciosamente, e
executada disciplinarmente, afim de que os operários trabalhassem melhor, na
verdade a tradução real seria que eles trabalhassem a fim de produzir mais para
a empresa. A mecanização humana animou o segundo espírito do capitalismo, que
ainda viria a apresentar um terceiro, animado pela flexibilidade do Toyotismo,
não bastava saber fazer bem sua função, era preciso saber diversas funções,
para cairmos novamente na vala comum do discurso de eficiência na produção.
Os “espíritos” anteriores,
ética Protestante, Taylorismo e Toyotismo, estão ligados diretamente as
sociedades que os correspondem, respectivamente, tradicional, disciplinar e de
controle, estas, foco do trabalho foucaultiano. Estas sociedades foram gerando
ao longo do tempo, um sentimento de aprisionamento ao ser humano, que se
apresentava carente de liberdade. O visionário sistema capitalista, mais uma
vez tinha de mudar, e esta carência de liberdade era a escusa perfeita, a bola
da vez.
Surge então o Novo espírito
do capitalismo, levantando a bandeira da libertação. Mais uma vez trata-se de
uma máscara para despistar os fins de sempre, a produtividade e o lucro. Segundo
Boltanski, o novo espírito acena com uma liberdade proposital, que na verdade
mais aprisiona que liberta, e mesmo quando esta contestação veio à tona, o
capitalismo liso e astuto, prometeu liberdade para a sua própria suposta
prisão, que mais uma vez, eram novas engenhosas grades invisíveis. A sociedade
aqui neste espírito é levada ao autocontrole. A responsabilidade é recebida em
forma de autonomia, os funcionários ganham status de empreendedores, há o
sentimento de que todos os índios podem ser caciques.
Voltamos ao nosso homem
contemporâneo bem vestido, bem sucedido e “livre”, dádiva concebida pelo
capitalismo, que do auto de sua bondade, liberta de sua própria prisão, dando a
este homem a oportunidade de ganhar o mundo. O custo disto tudo, está descrito
de forma quase invisível, como aqueles rodapés de propagandas, onde o asterisco
que elucida a verdade repousa ileso dos olhos do homem “livre”.