Peças de um motor.

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

O sufoco do pensar




O surrado refrão que menos é mais se sustenta, não por acaso, em inúmeras situações de produção e ação que se vivenciam no dia-a-dia. Na música, o silêncio está presente e tem papel fundamental, tanto quanto as notas tocadas. O mesmo pode ser observado numa corrida de carros, onde o vencedor não é o piloto que apenas acelera mais, mas sim, aquele que domina também o momento certo de usar o freio e/ou de parar nos boxes.
Hoje a informação possui alcance, velocidade e variedade, o que acarreta muito a ser lido, visto e ouvido. Esta sangria desatada por consumir toda a informação disponível na tela acaba por deixar as pessoas sem tempo, logo, não há pausa para digerir o que foi ingerido, não há freio nem silêncio.
As comparações entre épocas geralmente repousam num discurso saudosista reacionário, tornando-se extremamente enfadonhas, mas quando a análise de diferentes épocas permite a visualização de temas, que apesar do tempo se mostram atuais e relevantes, tal exercício se torna enriquecedor.
Schopenhauer (1788-1860) criticava com propriedade os eruditos que consumiam livros e mais livros convulsivamente, sem a mínima pausa para a digestão das idéias lidas, e principalmente, não tomavam tempo para pensarem por si sós. Uma gama imensa de saberes desorganizados não se equivale a uma quantia menor, porém, bem construída por meio do pensamento individual, este, bem mais valioso (SCHOPENHAUER, 2012).
Segundo ainda o autor, o aprendizado e leitura de forma arbitrária, não levam a um enriquecimento verdadeiro do saber, isto só é possível através do pensamento próprio, “Pois é apenas por meio da combinação ampla do que se sabe, por meio da comparação de cada verdade com todas as outras, que uma pessoa se apropria de seu próprio saber e o domina” (SCHOPENHAUER, 2012, pag. 39).
O tom contemporâneo da crítica é fantástico. Nossos dias atuais são tomados não mais por eruditos, mas por pessoas infartadas de informação, baseadas num ritual de compartilhamento mecânico, o qual não fomenta de forma alguma a criação, a originalidade e o pensar próprio. Por isto não causa espanto a não diferenciação, não só de produtos e serviços (a indústria automobilística com seus estilos convergentes num mesmo design) onde como opção nos sobra a cor da embalagem, mas também, e aqui reside preocupação, na produção artístico-cultural e acadêmica.
No âmbito acadêmico tem-se o reflexo desta falta de disponibilidade para pensar, onde o aprendizado, desde o início dos estudos, cai na vala comum da arbitrariedade, esta condenada pelo autor, visto que de forma imposta a leitura não funciona para o leitor, este deve encontrar motivação para o pensamento próprio.

No entanto, podemos nos dedicar de modo arbitrário à leitura e ao aprendizado; ao pensamento, por outro lado, não é possível se dedicar arbitrariamente. Ele precisa ser atiçado, como é o fogo por uma corrente de ar, precisa ser ocupado por algum interesse nos assuntos para os quais se volta; mas esse interesse pode ser puramente objetivo ou puramente subjetivo. Este último se refere às coisas que nos concernem pessoalmente, enquanto o interesse objetivo só existe nas cabeças que pensam por natureza, nas mentes para as quais o pensamento é algo tão natural quanto à respiração. Mas mentes assim são muito raras, por isso não se encontram muitas delas em meio aos eruditos (SCHOPENHAUER, 2012, pag. 39-40).


É preciso retomar a autoestima, pois cada vez mais as pessoas parecem se tornar sombras de outro alguém. Na música a quantidade de bandas que se dedicam única e exclusivamente a fazer cover se multiplica constantemente e encontram campo fértil num público que também carece de disposição para ouvir algo novo, ambos, banda e público, tais quais os eruditos que se dedicavam a leitura compulsiva, padecem de mal similar.
Uma banda que apenas busca a repetição (de forma mais idêntica possível) de uma música, e usa seu tempo de ensaio integralmente para isto, acaba sufocando qualquer ímpeto de criação, de originalidade, e de pensamento próprio.
Voltando a produção de uma escrita autoral de qualidade, segundo Schopenhauer (2012), a mesma só pode ser alcançada pelo pensamento próprio, e não pela leitura excessiva, que empobrece e torna os indivíduos mais simplórios, através da pratica de ter em cada minuto ocioso um livro em mãos. Como reflexo deste sufocamento, tem-se uma escrita precária, “Sempre lendo para nunca serem lidos” (POPE, 194, apud SCHOPENHAUER, 2012, pag.40).
É preciso o aprofundamento do pensamento próprio, não deixando as fontes já disponíveis e de grande relevância de lado, mesmo porque na atualidade ocorre a falta de leitura, mas tais fontes devem ser administradas em doses pontuais, o ar deve circular no ambiente da mente, menos é mais. O silêncio das palavras escritas se faz necessário para que se possa ouvir e nutrir o próprio pensamento.






 Referência bibliográfica:
SHOPENHAUER, Arthur. A arte de escrever. Porto Alegre: LP&M, 2012.